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"Cíntia sabia que depois de mais uma briga homérica, Roberto ia dormir no sofá. E ela ia ficar naquela cama sozinha, mais uma vez. Toda raiva descarregada naquela hora e meia de briga se transformava em lágrimas doídas. Foram palavras duras de dizer e de ouvir. Mas ela não ia dar a ele o gostinho de vê-la chorar.
Por mais que pensasse, Cíntia não conseguia descobrir onde eles tinham se perdido. Tudo o que ela fazia estava errado. Corria o dia inteiro no trabalho, passava 45 minutos no trânsito pra chegar em casa. Quando mais nova, pensava que sua casa seria seu refúgio. Adorava pensar que seria seu reino, onde poderia esquecer do mundo. Roberto sabia que ela não era a melhor dona-de-casa do planeta. Ela bem que tentava ser, mas nunca era suficiente pra ele. Sempre tinha um detalhe que não estava de acordo: a toalha fora do lugar, a comida que estava acabando na geladeira, a limpeza das janelas que não estava lá essas coisas, até com o cabelo preso ele deu pra implicar.
A lista de reclamações imbecis de Roberto crescia. E o que ela pedia a ele era ignorado solenemente. Cíntia queria a leveza de antes. O cuidado com que ele a tratava anos atrás. Ela lembrou o dia em que eles riram juntos ao abrir a geladeira famintos e só acharam alface murcha, uma lata de ervilhas e meia garrafa de suco. Tudo tinha sido resolvido com o disque-pizza. Sem brigas, sem palavras rudes, sem dor.
Ela já tinha lido e ouvido por aí que a paixão passa depois de sei lá quanto tempo. Provavelmente, a deles já estava com o prazo de validade vencido. Mas será que depois da paixão não sobra nada? Será que era isso? Discussões intermináveis, ironias?
Não conseguia mais ter vontade de fazer um carinho, de dar um beijo na hora que ele chegava. Sentia-se machucada, descuidada.
Onde tinha se escondido todo aquele amor que eles sentiam? O que podia ser feito pra voltar no tempo, consertar toda aquela bagunça? A cabeça de Cíntia não parava. Mil perguntas sem respostas. As lágrimas lavavam seu rosto... mais uma vez, ia dormir naquela cama vazia."